Dia Nobre e Ana Estaregui: prosa e poesia que atravessam temas relevantes e difíceis
18 DE março DE 2024Abordagens e perspectivas
originais sobre fatos da história e da vida são traços comuns que unem as
autoras Dia Nobre e Ana Estaregui, convidadas do Segundas Intenções, que
aconteceu na tarde do último sábado (16), na oca da Biblioteca Parque
Villa-Lobos. O programa mensal da biblioteca é sempre uma oportunidade única
para os participantes interagirem diretamente com escritores, ilustradores,
quadrinistas e outras personalidades da cena literária brasileira durante
bate-papos instigantes conduzidos pelo jornalista e crítico literário Manuel da
Costa Pinto. E desta vez, não foi diferente.
Por caminhos diversos e
inusitados, por meio da prosa e da poesia, Dia e Ana registram suas marcas
particulares, trazendo para o público leitor temáticas relevantes que
atravessam a atualidade - desde análises sobre o lugar das mulheres na
literatura contemporânea, releituras de fatos históricos que questionam as
narrativas que protagonizam os homens, maternidade, até machismo na literatura
de cordel e reflexões sobre o próprio ato de escrever.
Dia Nobre é escritora, historiadora e produtora de conteúdo nas áreas de Literatura e História das mulheres. Publicou dois livros de não-ficção, O teatro de Deus e Incêndios da Alma. Já a poeta Ana Estaregui, formada em artes visuais, ministra cursos livres de criação em arte e literatura, atuando também como consultora do projeto Roda de Leitura do Itaú Cultural. É autora dos livros de poesia Chá de jasmim, Coração de boi e Dança para cavalos. Mas quais os caminhos percorridos por Dia e Ana em direção à publicação de livros tão significativos para nossos dias?
Dia Nobre: “Ler um livro é
correr riscos”
Nascida em Juazeiro do Norte no estado do Ceará, a vontade de “um dia” poder contar histórias para as pessoas pautou a infância de Dia Nobre. O contato com os livros veio cedo, desde os 4 anos de idade. O interesse pela literatura a levou a participar de grupos de leitura na biblioteca do Sesc Juazeiro do Norte. Foi neste ambiente (Juazeiro é uma cidade mística e foi durante muito tempo o principal pólo de impressão e difusão de folhetos de feira do Brasil) que começa a surgir um olhar crítico da autora para diversas questões que viriam à tona bem antes de se tornar escritora: o contato com a literatura de cordel trouxe questionamentos sobre o machismo que permeia este gênero poético.
Aos 15 anos, já nos anos 2000, Dia integrou a publicação de alguns folhetos lançados pelo grupo Sociedade dos Cordelistas Mauditos que apresentavam uma postura crítica em relação à forma como o folheto tradicional representava as mulheres, os negros e a comunidade LGBTQUIAP+. Publicou ainda em pequenas coleções do Projeto Performance Poética e do Sesc de Juazeiro do Norte. Foram experiências que vieram a nortear, posteriormente, sua trajetória profissional, na academia e na literatura, com a publicação de obras reflexivas e insurgentes: “Literatura não foi feita para agradar; se não incomodar, não é literatura”, disse Dia.
Em 2003 iniciou o curso de
História na Universidade Regional do Cariri (URCA-CE), onde seu prazer de
contar e ouvir narrativas, tornou-se sua profissão. Após perceber o apagamento
da história das mulheres da história local, decidiu pesquisar a trajetória
social das mulheres no Cariri, trabalhando principalmente com a categoria de
análise de gênero. Nesse momento, encontrou não só o tema da sua pesquisa
acadêmica, que a acompanhou por mais de dez anos (da graduação ao doutorado),
mas também viu a oportunidade dar luz à narrativa esquecida e marginalizada de
Maria de Araújo, uma mulher negra e pobre do sertão do Cariri.
A intensa pesquisa resultou na publicação das obras O Teatro de Deus, a partir da dissertação do Mestrado (2010, UFRN) e Incêndios da Alma, tese do doutorado (2014, UFRJ), este último vencedor de três prêmios, incluindo o Prêmio Capes de Teses em 2015. No mesmo ano, retomou uma coleção de diários que lhe acompanharam ao longo da sua vida trajetória acadêmica. Ali estava sua verdadeira biblioteca, a matéria-prima para expandir-se na literatura e poesia, como uma necessidade de ser lida não só como historiadora e acadêmica, mas como mulher que escreve. Decidiu iniciar o processo de edição e publicação das poesias e contos que escreveu em seus cadernos, contando com grandes fontes inspiradoras como Isabel Allende, Clarice Lispector, Ana Cristina, Jarid Arraes, entre outras.
Em junho de 2020 estreou na
Literatura com o livro de poesias pela Editora Penalux. Ainda em 2020 teve o
original do seu segundo livro, Boneca Russa, finalista no Prêmio Caio Fernando
Abreu. Em 2021 publicou o livro pela Editora Penalux com um novo título, No útero
não existe gravidade. E para 2024, já estão saindo do forno dois
lançamentos: seu primeiro romance pela Companhia das Letras e uma reedição de Incêndios
da Alma pela Editora Planeta.
Ana Estaregui: “a palavra em
muitas instâncias”
Ana Estaregui nasceu em 1987, em
Sorocaba. Graduada em Artes Visuais pela FAAP e mestre em Literatura e Crítica
Literária pela PUC-SP, é visível que a palavra e a escrita sempre ocuparam
local privilegiado para Ana: “sempre tive interesse pela palavra, mas, no
início, ela estava sempre ligada às artes visuais”, disse, acrescentando: “aos
poucos fui migrando para o texto mesmo, especificamente para poesia", explica a autora.
A poeta revela que foi leitora
assídua de gibis da Turma da Mônica e livros de Harry Potter, mas foi o contato
com a poesia concreta que reforçou a
visão sobre a materialidade da palavra – a palavra como objeto. Ana enfatiza que o
caminho das artes visuais foi importante para pensar a relação com a
espacialidade, como materializar uma imagem. “A poesia está mais perto da
pintura do que a própria prosa”, acredita Ana.
É isso que encontramos nos seus livros
de poesia Chá de jasmim (Editora Patuá, 2014) e Coração de boi
(Editora 7Letras, 2016), ambos contemplados no edital do ProAC. Em 2017, foi
finalista do Prêmio Alphonsus de Guimaraens da Biblioteca Nacional (Poesia). Em
2018, a poeta recebeu, com o original do livro Dança para cavalos, lançado em
março de 2022, pelo Círculo de Poemas - um clube de poesia formado pelas
editoras Luna Parque e Fósforo - o Prêmio Governo de Minas de Gerais de
Literatura na categoria poesia. A obra traz 73 poemas, numa linguagem enxuta e
direta. Os temas de elementos da natureza, fogo e ar, os bichos e as
experiências
Durante o encontro, a autora foi
convidada a ler e comentar alguns trechos dos seus livros. Teve certa
dificuldade para encontrar os poemas, pois eles não têm nome ou titulo...
Para assistir na íntegra o Segundas Intenções com Dia Nobre Ana Estaregui e outras edições do programa acesse o canal da BVL no Youtube.